O Mito de Oxum na Civilização Yorùbá

O Mito de Oxum na Civilização Yorùbá

“ A festa anual das oferendas a Oxum realizada e, Osogbo, na Nigéria, é uma reatualização do pacto que o primeiro rei local contraiu com o rio: Larô o antepassado do atual rei, após prolongadas atribulações, procurando um lugar favorável onde pudesse instalar-se com seu povo, chegou perto do rio Osun onde a água corria permanentemente.

Segundo se conta, um dias mais tarde uma das suas filhas desapareceu nas águas quando se banhava no rio e, passado algum tempo , delas saiu, esplendidamente vestida. Declarou
a seus pais que fora admiravelmente recebida e tratada pela divindade que ali
morava.

Laro foi fazer oferendas de agradecimento ao rio. Muitos peixes, mensageiros da divindade, em sinal de aceitação, vieram comer o que o rei jogou na água. Um peixe de grande tamanho veio nadar perto do lugar onde ele se encontrava e cuspiu água.

Laro recolheu esta água em uma cabaça e bebeu-a, celebrando assim o pacto de aliança com o rio. Em seguida estendeu as mãos e o grande peixe saltou nelas. Ele assume o título de Ataojá, contração da frase yoruba“ a lewo gba eja”, aquele que estende as mãos e pega o peixe. Ele declara : Osun gbo“, ou seja, Osun está em estado de maturidade, suas águas sempre serão abundantes. Daí origina-se o nome da cidade de Osogbo que é dedicada a
Òṣún.“

Òṣún também é cultuada em diversas outras cidades yorubás, a partir de seu mito ter irradiado a partir de Osogbo. Segundo diversos mitos foi mulher de Xangô, Ogum, Oxóssi, Orunmilá e é mãe de Logun Ede, o que na África tem diversas versões os mitos de associação desta Orixá com estes deuses dependendo da região em que se encontrem e da influência destes Orixás no panteão regional. Isto tem reflexos na diáspora onde Oxum é associada a todos eles.

Na Umbanda no Sudeste Oxum é sincretizada com Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil; na Bahia com Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Bahia; em Cuba com Nossa Senhora da Caridade do Cobre, Padroeira de Cuba.

O fato destes sincretismos que associam Oxum à imagem de padroeira em diversas localidades podem estar muito provavelmente ligados aos seus aspectos ligados à maternidade.

Aspectos Civilizatórios dos Orikis de Oxum 

Existem vários aspectos civilizatórios nos Oriki de Oxum. abaixo os versos onde isto se evidencia mais marcadamente: Ìyálode muito gorda que fende as vagas.
Iyalode cuja pele é muito lisa. Existe no verso acima uma alusão à figura da Iyalode. Iyalode em yorubá quer dizer : Iya ( mãe ) l ( da ) ode (corte ou praça em referência ao mercado).

A Iyalode é a lider das mulheres no mercado e que por isso desempenha papel central nas relações com os homens da sociedade Ogboni e das sociedades ligadas às realezas.

Tem um papel de destaque entre as mulheres, por isso e também por sua idade que a torna, como nos fala Balandier das sociedades subsaarianas, apta a desempenhar papeis de decisão que seriam normalmente masculinos. Oxum também é chamada de Iyalode, assim como Oya. Apesar de serem mitos com características bem diversas, Oxum e Oya dentro de suas características próprias também nos falam de aspectos do poder feminino nas sociedades yorubás, ambas representando esta metade perigosa da qual nos fala Balandier.

Nos versos abaixo vemos uma referência ao papel que as mulheres têm no desenvolvimento da medicina tradicional, assumindo o papel de sacerdotisas (sobretudo de Oxum). Ela faz por qualquer um o que o médico não faz. Orixá que cura doença com água fria, se ela cura a criança ela não apresenta honorários ao pai.

Mãe, venha a me ajudar a ter um filho ( uma alusão à fertilidade deste mito também e o que ele implica no prosseguimento da sociedade de linhagens) Iyagbale faz coisas secretas e faz remédios. Ela tem remédios gratuitos e dá de beber mel às crianças. Já ao construirmos as imagens dos versos abaixo vemos suas funções de educadora , seja como mãe ou como mulher.

Ela diz à cabeça má para que se torne boa, Mulher descontente no dia que seu filho briga
Ela segue aquele que tem filhos sem o deixar
Ela recusa a falta de respeito
Ela permanece na galeria da casa e ensina às crianças as línguas e tudo aquilo que elas não sabem (em uma alusão direta ao papel da mulher como educadora representada por esse mito) Ela desvenda com as pessoas de onde vem a maldade A mão da criança é suave.
Oxum é suave., Dona do cobre apodera-se tranquilamente das crianças (por seu conhecimento)
Ela conserta a cabeça má das pessoas.
Com as mãos compridas ela tira seu filho da armadilha.
Ela chega e a perturbação se acalma
Ologun Ede, aquele que tem medo não pode tornar-se uma pessoa importante
(em uma sentença e instrução direta a seus filhos).
Oxum age com calma
Minha mãe que cria o jogo de ayo e cria o jogador
O filho entregará o dinheiro em sua mão
Deixem a criança rodear meu corpo com as mãos
A mão da criança é suave.

Vemos no exemplo dos Orikis de Oxum acima, referência ao papel da mulher como Educadora inspirada por este mito. A função pedagógica aqui é inegável.

O papel da mãe, protetora, educadora e heroína contida no Mito está inegavelmente presente. Podemos inclusive ver nossas mestras e mães na diáspora desempenhando seus papéis de educadoras muito mais presentes neste exemplo e nestas frases de Oxum , do que nos conceitos abstratos e distantes dos heróis gregos ou pais romanos que vemos em nossa formação de educadores no Brasil, mesmo em universidades tidas como de elite da
educação.

Além destes fatores que se referem à função pedagógica do Mito, podemos perceber claramente a função sociológica que estes corpos sociais de “ educadoras “ mães de família tem ao se formarem nos seios das linhagens. No templo de Oxum em Osogbo a função de educar as novas e novos iniciados é das Sacerdotisas e Idi Osun e se baseiam muito no que vemosnestes Orikis. Até mesmo no verso “Osun lava suas jóias de cobre e não lava suficientemente seus filhos”, vemos uma função pedagógica. Excesso de zelo não educa”.
Oxum está ligada também, de alguma forma ao sistema econômico quando alude à acumulação de riquezas e ao próprio fato de economizar conforme vemos nos versos de Oriki abaixo.
“Ela cavouca areia para nela guardar dinheiro”
“Ela cavouca a areia para nela recolher dinheiro” ( Em alusão direta à
necessidade de economizar)
Oxum dona das profundezas da riqueza
Ela tem muito dinheiro e sua palavra é suave
Ela se apropria do feriado, ela se apropria da riqueza
É uma freguesa dos mercadores de cobre ( pois o cobre que era o metal mais
nobre dentre os yorubás, e não o ouro)
Ela fica em casa e estende a mão às riquezas (em relação direta com
profissões femininas sobretudo ligadas ao artesanato desenvolvidas nas
casas)
A grande riqueza agrada
Ela come quiabo caro sem pedir fiado
Ela dança nas profundezas da riqueza
Ela é elagante e tem dinheiro para divertir-se
Ela manda cozinhar sopa de quiabo e não fica endividada
Oxum inclino-me
Ela é dona do ouro.

Talvez esse domínio de parte do mundo financeiro e sistema econômico que alude à própria função das Iyalodes e vendedoras do mercado possa explicar, juntamente com o que nos fala Balandier sobre momentos de inversão de papéis, momentos nos quais as mulheres tornam se realmente esta metade perigosa.

Nos versos de Oriki abaixo vemos claramente como o mito assume este papel inspirando este corpo social de vendedoras do Mercado e Iyalodes que geralmente também se organizavam em sociedades femininas ligadas à magia.

Vemos resquício disto nos terreiros de candomblé do Brasil na diáspora onde as mulheres desempenham papel importantíssimo tal qual as Iyalodes, que no contexto africano, por serem chefes das mulheres do mercado tinham acesso a todas mercadorias necessárias para a confecção das oferendas e objetos necessários para a magia assim como nos afirmam Verger e Bastide.

Estas mulheres da diáspora das quais descendemos, sem dúvida, são herdeiras destes corpos sociais de vendedoras e sacerdotisas africanas influenciadas por este mito.

Isto se torna bem claro, assim como a importância dos papéis femininos desempenhados por elas, quando vemos os versos de Oriki abaixo: Mãe de Adisa Olosun , não se esqueça de mim Não existe lugar onde não se conheça Oxum poderosa como o rei Ela dança e pega a coroa, ela dança sem pedir Se a mulher está no caminho , o homem foge Ela recebe o mensageiro do rei sem lhe prestar reverências Ela entra na casa do preguiçoso e este foge ( em clara menção do preguiçoso
como transgressor moral conforme vimos em textos anteriores)
Desperta e age como alguém famoso
Ela tem um título e viaja
É raro uma mulher coroada
Ela caminha com uma postura altiva
Ajoelhem para as mulheres,
As mulheres são a inteligência da Terra
O homem não pode fazer nada sem a mulher
Um grande poder foi concedido a todas mulheres através de ti,
Não abusem as mulheres deste poder,
Senão lhes será retirado.

Fontes – Ivan Poli, Pierre Verger

Òṣún

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